A defesa social constitui uma armadilha discursiva acerca dos fundamentos do poder punitivo. O direito penal e o processo penal servem para defender a sociedade contra o crime e os criminosos? Juristas e população em geral acreditam que sim, que ambos são instrumentos de defesa social.
Este livro ambiciona mostrar os perigos dos discursos de defesa social, tomando-os em sua perspectiva histórica e relações de poder, desde a chamada Escola Clássica do Direito Penal, em que a defesa social era a proteção do indivíduo contra o poder punitivo arbitrário, até a Escola Positiva Italiana, em que o Direito Penal ganhou a função concreta de defender a sociedade contra os indivíduos criminosos. Aborda-se, ainda, a reconfiguração das ciências penais da Escola Técnico-Jurídica, que expulsa a defesa social do Direito Penal e a acomoda na Política Criminal, elaborando o modelo de ciência penal mais apto à realização concreta dos ideais dos estados autoritários. Essa Escola extraía dos juristas a função de questionar o ordenamento jurídico que aplicavam, dando-lhes a função de proteger a sociedade de uma forma mais ampla: eliminando não apenas os criminosos, mas todo indivíduo considerado perigoso para a manutenção da ordem social.
Muito mais que simples alterações semânticas, as várias concepções de defesa social e seu ajustamento discursivo às novas relações de poder e respectivas formas de controle social repressivo, de cada momento histórico, apresentam-se como um conjunto de ideias sobre o crime, o criminoso e a pena (ao que Alessandro Baratta denominou de ideologia da defesa social) que, ao procurar legitimar a expansão do poder punitivo, sempre implicam na violação dos direitos humanos.
As ideias de defesa social no Brasil, amplamente ajustadas ao sistema penal autoritário que se formou a partir da década de 1940 (com a promulgação do Código Penal e Código de Processo Penal), tomaram a forma de um discurso sedutor – que fala em combater o crime e os criminosos – pelo qual os juristas se sentem “lutando do lado justo”, e, assim, frequentemente negam o sistema de legalidade dos delitos e das penas, a pretexto de bem proteger a sociedade. A defesa social, dessa forma, tem sido a armadilha retórica que difunde a ideologia de um controle penal repressivo, injusto e que tem servido para enjaular - ou mesmo eliminar - pobres e desvalidos.
O diferente sempre foi motivo de muita controvérsia. Numa sociedade fundada em v...
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